Não deixo o despertador tocar, a primeira noite é sempre mal dormida. São oito horas da manhã do primeiro dia do Curso Internacional de Verão promovido pela FEQ. Saio, ainda a medo, ainda em nervos, da cama. Da porta do meu quarto, este é o cenário.
E sinto-me em casa, ou quase. Este é, também, o rio que passa na minha aldeia.
Subo à casa principal onde o pequeno-almoço me espera. Só nesta altura consigo ver claramente vistos os rostos dos meus colegas de curso. Ensonados muitos mas não todos: há-os, os que estão despertos. A esta hora, ainda são vagas e curtas, amedrontadas as palavras. Por entre a cevada e a cavaca de Resende, há tempo para um bocejo discreto e um olhar mais curioso. Eles são de muitas idades e feitios, se isto pensei, tal pensaram eles também. Alguns, já mais próximos, conversavam com mais vontade e à-vontade. Era hora de partir para Tormes.
Mal tive tempo de observar a fachada da casa senhorial da Quinta da Vila Nova. Assim que descemos do autocarro que nos transportou da Ermida para a Fundação Eça de Queiroz, fomos conduzidos ao pequeno auditório onde já nos esperava a professora Doutora Isabel Pires de Lima, coordenadora científica e uma das três professoras encarregues dos seminários deste ano. Houve tempo, é claro, para as apresentações tradicionais. Qual aula do ensino básico, um a um, pela sala fora, saíram nomes e ocupações. Endireito-me na cadeira demasiado pequena para o meu tamanho e não sem um ligeiro tremor inicial na voz digo ser «Tiago Garcia, aluno da licenciatura em Línguas, Literaturas e Culturas da Faculdade de Letras da Universidade do Porto» e volto a encolher-me porque à minha volta só parecia haver licenciados, mestrandos, mestres, doutorandos e doutores e, de repente, um homem com metro e noventa sente-se uma criança novamente. Cada vez se torna mais claro, para mim, que não gosto de apresentações.
As duas sessões da manhã ficaram a cargo da prof. Isabel Pires de Lima. Começamos a meio-gás, digo, com uma pequena biografia do grande homem, as suas principais influências e o seu percurso bibliográfico. Pelo meio, a pausa para o café que as minhas pálpebras já desejavam, e mais meia hora em que a conversa se foi naturalizando, como Jacinto após a primeira noite em Tormes.
Depois de almoço (do qual a única coisa que me recordo é que era acompanhado de um belo vinho de Tormes) conhecemos a professora Doutora Izabel Margato. E agora me lembro que me esqueci de referir que todo o curso se centrava sobre a modernidade em Eça de Queirós. Isto porque o seminário da professora Isabel foi dedicado à modernidade, alertando-nos para os sinais que dela deviamos procurar na obra queirosiana. Fala-se na dessacralização do poeta, na valorização do homem comum, na rua como cenário ideal e na viagem como exemplo da transformação pela modernidade. E logo me lembro de Fradique Mendes, de A Cidade e as Serras, e de Teodorico Raposo que não vai para descobrir a Palestina mas para a gozar. E assim foram os primeiros seminários.
E só no final desta tarde tive oportunidade de olhar com atenção a casa principal, sede da Fundação. Ainda agora a vejo, sem recorrer a auxiliares fotográficos, imponente, coberta de verde e granito e história e literatura. O átrio, lajeado a blocos de granito, parece pequeno e a entrada ainda mais diminuta – nesta altura ainda não me sabia enganado.
Chegados, de novo, à Quinta da Ermida, o sol ia ainda alto. Estava ainda calor suficiente para descer à piscina da Quinta, junto ao Douro. Ninguém consegue manter a seriedade em calções e cedo o gelo inicial se derrete. Houve até oportunidade para uma pequena competição internacional de natação: alinhavam três portugueses, um brasileiro e um colombiano. Continuo sem saber quem venceu e quem saiu derrotado.
E logo, sem se dar conta, estamos de novo na sala de jantar da Quinta da Ermida e já a conversa vai solta, as gargalhadas mais sonoras, as discussões mais razoáveis e interessantes. O café, na esplanada do bar, continuou a conversa e o ambiente.
Deito-me, apesar de tudo, não muito tarde. Leio A Cidade e as Serras, apenas por um capítulo, fecho os olhos, durmo.