Posts Tagged ‘pintura’

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Sylvia, II

11 de Setembro de 2010


Le Muse inquietanti (1916), Giorgio de Chirico

The Disquieting Muses

Mother, mother, what illbred aunt
Or what disfigured and unsightly
Cousin did you so unwisely keep
Unasked to my christening, that she
Sent these ladies in her stead
With heads like darning-eggs to nod
And nod and nod at foot and head
And at the left side of my crib?

Mother, who made to order stories
Of Mixie Blackshort the heroic bear,
Mother, whose witches always, always
Got baked into gingerbread, I wonder
Whether you saw them, whether you said
Words to rid me of those three ladies
Nodding by night around my bed,
Mouthless, eyeless, with stitched bald head.

In the hurricane, when father’s twelve
Study windows bellied in
Like bubbles about to break, you fed
My brother and me cookies and Ovaltine
And helped the two of us to choir:
‘Thor is angry: boom boom boom!
Thor is angry: we don’t care!’
But those ladies broke the panes.

When on tiptoe the schoolgirls danced,
Blinking flashlights like fireflies
And singing the glowworm song, I could
Not lift a foot in the twinkle-dress
But, heavy-footed, stood aside
In the shadow cast by my dismal-headed
Godmothers, and you cried and cried:
And the shadow stretched, the lights went out.

Mother, you sent me to piano lessons
And praised my arabesques and trills
Although each other found my touch
Oddly wooden in spite of scales
And the hours of practicing, my ear
Tone-deaf and yes, unteachable.
I learned, I learned, I learned elsewhere,
From muses unhired by you, dear mother.

I woke one day to see you, mother,
Floating above me in bluest air
On a green balloon bright with a million
Flowers and bluebirds that never were
Never, never, found anywhere.
But the little planet bobbed away
Like a soap-bubble as you called: Come here!
And I faced my traveling companions.

Day now, night now, at head, side, feet,
They stand their vigil in gowns of stone,
Faces blank as the day I was born,
Their shadows long in the setting sun
That never brightens or goes down.
And this kingdom you bore me to,
Mother, mother. But no frown of mine
Will betray the company I keep.

Plath, Sylvia
1957 «The disquieting muses»; ed. ut.: in Complete Poems, New York, HarpperCollins, 75-76.

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Arrastar Tinta

4 de Setembro de 2009

o luar apagado, como se diz de uma luz, apagada. Não fundida, mas apagada: onde estava acesa. Des-acesa, portanto.

– Arrastar Tinta, Pedro Eiras

No princípio dos séculos, Horácio escreve «Ut pictura poesis» e, se já não o estavam, poesia e pintura ficam condenadas a caminhar lado a lado pela eternidade. Em Arrastar Tinta, Nuno Barros e Pedro Eiras celebram a feliz união maldita das duas artes. Nuno Barros contribui com os «pintados», Pedro Eiras com os «escritos».
O livro é dividido a meio – metade para as reproduções das telas de Barros, a outra metade para o exercício escrito de Eiras – para que o leitor não caia na tentação de julgar os trabalhos plásticos como mera ilustração dos textos, ou estes como inspirados no trabalho das tintas.
Na verdade, a metade consagrada à poesia não é tanto uma ilustração da pintura como uma narração do acto de criar: «nada diz, apenas pinta. E pintar é apenas arrastar tinta» (p.33). Visão redutora, decerto. Nada nestes textos nos leva para o mundo da narração, todavia, recuperando a visão de Horácio, temos pequenos quadros pintados com palavras: «O instante: os insectos, os ímanes, a cúpula inventada no céu com os seus cometas e supernovas. Claro, muito claro» (p.50) – e ao mesmo tempo estas pinturas frásicas estão completamente afastadas do que se entende por descrição. Não é uma descrição, é o processo de desenhar, a mente do pintor no momento em que arrasta tinta pela tela. Conclui-se: pintar não é arrastar tinta, ou antes, «pintar é apenas arrastar tinta» e todo o processo neurológico que implica o movimento humano. É isso que o sujeito poético faz: expõe o automatismo não cerebral de pintar. É como um exame médico, uma TAC que, páginas atrás o pintado Sei exactamente o que faço e no entanto faço-o (pág. 10) reproduz (e cujo título é disso reflexo).
Pormenor, não menor, interessante: como é que o sujeito número um reproduz o movimento criativo do sujeito número dois? Ou como é que o sujeito número dois grafa o acto do sujeito número um? São dois os autores, dois os sujeitos. Assim nos garante a capa de Arrastar Tinta e fomos formatados para acreditar em capas. De repente, contrariando tudo o que esperávamos, pintados e escritos parecem ter exactamente a mesma origem. «Justa a retina,/ se/ justo o mundo» (p.37) mas o olho não pode ser verdadeiro se de dois autores encontramos um único sujeito. «Injusta a retina,/ se/ injusto o mundo» (idem): condição assegurada. O mundo de Arrastar Tinta foi cruel com o leitor. Ou talvez não, «tudo se move./ Questão de perspectiva» (p.41). Esta é a questão central do livro. É tudo uma «questão de perspectiva»: pintura, literatura, teatro, drama, cinema, música – perspectivas de uma mesma questão, invenções de um mesmo sujeito. «A mão é um exercício espiritual, alguns resquícios de músculo, nada mais» (p.45) e a obra, pintada ou escrita, é o resquício muscular de um exercício espiritual.
Dois autores fundem-se em um. Será? «Nunca vi o invisível./ Diz aquele que escreve sobre aquele que pinta» (p.49). Subitamente há, de novo, dois sujeitos. Um que escreve, um que pinta. Mas quem é quem? «Nunca verei o invisível, diz ele/ (quem? um de ambos)» (idem). Há novamente dois, mas dois anónimos. Um pinta, outro escreve, mas são ambos o mesmo espírito com resquícios de músculo diferente. Esta ideia é levada ao limite quando, já findo o livro, uma pequena nota revela, confidente, que há «ecos de Echart, Kleist, Freud, Carlos de Oliveira, Herberto Helder, Gastão Cruz, Manuel Gusmão, Gonçalo M. Tavares, Manuel de Freitas» (p.56) e então dois autores, que foram unos na criação espiritual, que voltaram a ser dois pela concretização muscular, tornam-se repentinamente numa multidão. Arrastar Tinta torna-se um livro escrito por todo o sistema literário, algo que é profundamente aceite e reflectido por um único sinal de pontuação: «No início, dizia eu (?), era o caos» (p.53).
No término, como no início, o caos autoral reina. Arrastar Tinta é um livro desenhado a mil mãos que reflecte, de maneira mais ou menos evidente, sobre a sua própria origem. A sua concretização em páginas é o menor dos males: afinal, como tantas vezes repetido, «pintar é apenas arrastar tinta» e tudo o resto é que verdadeiramente interessa. A origem e o espírito, nunca o músculo. A mente sobre a matéria ou, aplicando, a Arte sobre as artes. Reduzindo-me da crítica da Arte para a da arte literária, Arrastar Tinta espelha um trabalho de linguagem intenso, reflectivo e depurado. Reduzir é essencial porque o essencial é essencial, tudo o que sobra não passa de poeira. Exemplarmente bem organizado, dispostos, quase que geometricamente, os textos mais longos a partir de alguns textos breves, aprofundando sem cirandar à roda daquilo a que se propunham. Tem o condão de ser um livro e não apenas uma amálgama de poemas cosidos a telas. Tem o mérito de ser inquieto, múltiplo, des-sossegado. Tem a qualidade de ser precioso.

Publicado originalmente no Rascunho.

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Caminho numa vaga surrealista #1

16 de Julho de 2009

Le Fils de l’homme, René Magritte, 1964